segunda-feira, 28 de novembro de 2011

"O Enigma do Oito" (Katherine Neville)

Pessoal, o post de hoje é sobre um livro apaixonante, um dos melhores que já li - fiquei pensando nele por um bom tempo, semanas depois do fim da leitura. Leiam, vocês não vão se arrepender. É uma daquelas histórias que nos trazem um incrível desenvolvimento cultural e espiritual. Vale super a pena!


Jamais em meu percurso como leitora encontrei uma obra tão complexa, densa, surpreendente e fascinante. A autora propõe ao leitor o desafio de percorrer suas 678 páginas e, simultaneamente, ajudar Cat e Mireille, as protagonistas das diferentes eras enfocadas nesta trama, a desvendar a fórmula oculta no Xadrez de Montglane.
Da época de Carlos Magno até os dias atuais, este Jogo seduz mentes, corrompe sentimentos e ameaça a alma humana. Esta história tem início em 1790, no ápice da Revolução Francesa. Ao longo de séculos o mítico xadrez presenteado pelos mouros ao rei dos francos e primeiro Imperador do Sacro Império Romano do Ocidente, Carlos Magno, foi preservado no interior das paredes da Abadia de Montglane.
Quando o segredo é ameaçado, a abadessa do mosteiro, Helene, desenterra o tabuleiro e as peças, entrega a algumas das freiras a proteção de pelo menos um destes o bjetos, e toma sob sua guarda o tabuleiro e a capa de veludo que o abriga. Antes de partir para a Rússia, ao encontro de sua amiga de infância, Catarina II, agora poderosa czarina russa,ela confia a duas noviças muito jovens, Valentine e Mireille, uma missão especial.
A capa era de veludo, de um azul profundo, e ricamente bordada com fios de ouro e pedras preciosas, uma aparente reprodução dos símbolos do zodíaco. No centro, duas figuras semelhantes a serpentes entrelaçavam-se de modo a formar um 8.
 (...) a abadessa mandou que as freiras se preparassem para viajar. Avisou que daria a cada uma, em conversa reservada, as instruções a respeito de seu destino, de modo que nenhuma delas ficaria sabendo a localização das demais.
(...) Quando chegou a vez de Valentina e Mireille (...)
- Imagino - prosseguiu a abadessa - (...) Muitas de nós correremos perigo (...) não será possível apagar completamente nossos rastros. Algumas freiras poderão vir a  ser encontradas, e terão de fugir. Por isso, selecionei oito de nós. Cada uma dessas oito freiras não só levará uma peça do Xadrez como também servirá de ponto de apoio. Quem estiver fugindo poderá deixar com ela sua peça ou pelo menos instruções para encontrá-la. Você vai ser uma das oito, Valentine.
As jovens, primas e amigas inseparáveis, devem partir para Paris e aí permanecer sob a tutela de Jacques Louis David, célebre pintor, integrante da Assembleia Francesa e padrinho de Valentine. Cabe a elas não só esconder algumas das peças, mas também atuar como suportes para outras freiras que sejam ameaçadas e necessitem fugir, deixando com ambas a defesa de seus próprios componentes do Xadrez.
No auge do movimento conhecido como o Terror, uma trágica e triste página da história da França, Valentine é presa e interrogada por Marat, o cruel e sádico revolucionário francês. A partir de então tem início uma corrida desenfreada pela posse das peças e pelo comando do eterno Jogo. Envolvidas quase sem querer nesta trama letal, as primas são obrigadas a colocar em risco a própria vida para impedir que o Xadrez caia nas mãos erradas.
Aquilo era mais perigoso do que a malta que cercava a carruagem, ela sabia bem. Era um bando de loucos. Até os outros membros da Convenção temiam a gente da Comuna. Delegados escolhidos nas ruas da cidade costumavam prender, julgar e executar os membros da nobreza com tal rapidez que negavam, nos próprios gestos, o conceito de liberdade que pregavam.
Quase duzentos anos depois, em 1972, a norte-americana Cat Velis, apesar de ter apenas vinte e três anos, é especialista em processamento de dados na cidade de Nova Iorque. Primeira mulher a atuar como executiva em uma famosa empresa de consultoria contábil, ela enfrenta preconceitos e luta contra os atos corruptos de seus patrões. Em uma destas ocasiões ela desafia um dos sócios e é enviada para realizar um trabalho de assessoria para os membros da OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo – em Argel, capital da Argélia.
Antes mesmo de partir para o continente africano, porém, ela percebe que está envolvida em um Jogo perigoso. Advertida por uma estranha vidente dos riscos que corre, ela vai descobrir que as linhas de sua mão, ao formarem um inusitado oito, enlaçam seu destino ao do próprio Xadrez de Montglane, como há séculos atrás determinou as vidas de Valentine e Mireille.
A vidente ignorou-o e inclinou-se ainda mais para mim.
- Vim aqui para te trazer um aviso - sussurrou. - Onde quer que vás, nunca deixes de olhar por cima dos ombros, de vigiar as costas. Não confies em ninguém. Suspeites de todos. Pois as linhas de tua mão revelam... que é a mão escolhida.
- Escolhida por quem?
(...) Em um sussurro, falou como alguém que se esforça para lembrar algo antigo, talvez um poema lido muito tempo antes:
- Justamente como no tabuleiro se misturam as do xadrez, até como se tudo soubessem, as linhas desta mão, discretas, mostram, noutro nível, a chave das verdadeiras finais. O Jogo, metáfora da vida, real visão... Última lembrança esta, tantas vezes entendida tarde demais: batalha infinda! Recorda-te: no quarto dia do quarto mês, evitarás atacar. Eterna luta entre pretas e brancas, quase iguais!Continua a tua busca por trinta e três e três. Vai sempre mais fechado estar o secreto portão.
Mesmo sem saber jogar xadrez, Cat se une a Lilly, uma exímia jogadora, na tentativa de desvendar as estranhas mortes, perseguições, charadas e enigmas que passam a fazer parte de sua rotina. Ela conta também com a ajuda do jogador russo Solarin, de seus amigos Nim, Mordecai e Harry, e de outros aliados improváveis.
De Paris a Londres, da Córsega a Nova Iorque, de Argel ao Deserto do Saara, as protagonistas desta narrativa eletrizante perseguem o segredo ancestral que durante milênios foi reservado apenas aos iniciados, proibido de ser escrito e codificado secretamente pelos mouros no Xadrez de Montglane.
Richelieu acreditava que os mouros, ao invadir o território, tivessem descoberto o terrível segredo, guardado durante séculos pelos celtas e, depois, pelos bascos. Os conquistadores mouros teriam então transcrito o que aprenderam, num código que inventaram. Na verdade, eles gravaram o segredo, no tal código, nas peças de ouro e prata do Xadrez de Montglane. Quando lhes pareceu evidente que perderiam o domínio da Península Ibérica, enviaram o Xadrez para Carlos Magno, por quem nutriam grande admiração. Viam-no como o mais poderoso monarca da história e julgaram-no o único capaz de proteger o segredo.

A intrincada fórmula alquímica já intrigou cientistas do porte de Isaac Newton, Paracelso, Pitágoras e Fourier, filósofos como Voltaire e Rousseau, e foi ambicionada por personalidades como Marat, Robespierre, Napoleão, Benjamin Franklin e a czarina Catarina II.
Tudo neste código secreto e na trama remete ao número oito: a inscrição na capa de veludo azul na qual foi transportado o tabuleiro de Xadrez e suas peças; as oito grandes empresas de petróleo do mundo; o símbolo da pessoa que terá como missão reunir novamente o Jogo e impedir que ele seja utilizado para dominar a Humanidade; o número das freiras encarregadas de proteger as peças; as oitavas musicais; a Ordem do Oito, ou seja, daqueles que ouvem a música das esferas; a Lei das Oitavas, entre outras simbologias presentes na história do Homem.
A autora nos conduz da História à Filosofia, da Matemática à Música, da Alquimia à Química Moderna, da Física à Astronomia, da Ciência à Magia, pelos segredos do Xadrez e culturas labirínticas, pelo universo de deuses e deusas antigos, entretecendo com raro talento todos os dados e personagens apresentados no enredo.
Meu livro saiu vários anos mais tarde, (...) Nele, apresentei a teoria de que os Peões são a alma do xadrez. Na verdade, apenas demonstrei que os Peões não devem ter por única serventia o sacrifício, pois é possível usá-los com objetivos estratégicos e posicionais contra o adversário. O livro causou uma revolução no xadrez.
Chamou até a atenção do matemático alemão Euler. Ele já havia lido a meu respeito, uma referência a minha capacidade de jogar de olhos vendados, na Enciclopédie organizada por Diderot, e acabou convencendo Frederico a me convidar para uma visita à corte. (o compositor Philidor)
Neste tabuleiro confrontam-se incessantemente as peças brancas e as pretas; em uma inversão da imagem tradicional, são as primeiras que desejam se apossar do Jogo, enquanto as negras lutam para ocultar seu potencial destrutivo, pois acreditam que o ser humano ainda não está pronto para se apropriar de seu alto poder energético.
Cabe ao leitor descobrir quem são os reis e rainhas brancos e pretos, e que papel cada personagem representa neste tabuleiro. Valentine é a garota inocente, simples, espontânea, praticamente sem malícia, uma criança em sua pureza de coração. Já Mireille é mais séria, introvertida, determinada, e tem a consciência, a princípio quase inconsciente, de estar comprometida com uma missão que pode determinar os rumos da História.
Lilly é um frescor na narrativa tensa que resgata os terríveis eventos passados; ela é engraçada, maliciosa, irreverente. Quanto à Cat Velis, ela herda, de alguma forma, o peso da tarefa parcialmente cumprida por sua antecessora, talvez por isso mesmo tenha a mesma seriedade e coragem, pontuada por uma sutil ironia.
Com certeza as personagens dos tempos presentes, que atravessam a década de 70 no início da crise petrolífera que se abateu sobre o mundo em 1973, espelham as protagonistas que vivenciaram os trágicos momentos da Revolução Francesa e o Império Napoleônico.
Katherine nos traz uma nova visão dos fatos históricos, agora sob o ponto de vista da luta por um poder inimaginável, apocalíptico, o qual se oculta na fórmula impressa no Xadrez de Montglane, nos símbolos incrustados no tabuleiro, em suas peças e na capa que o recobre.
A música tem o poder de criar um universo ou de destruir uma civilização. Se não acredita, sugiro que leia a Bíblia. (...) Quem compreende a arquitetura da música compreenderá por certo o poder do Xadrez de Montglane. Ambos são a mesma coisa.
(...) acredito que é esse poder, o poder da música da linguagem, da matemática da música, do segredo do Verbo com que Deus criou o Universo e destruiu o império da Babilônia... É esse poder, acredito, o segredo oculto no Xadrez de Montglane.
Cada capítulo é precedido por epígrafes sobre o Xadrez ou temas afins abordados nos tópicos correspondentes. No passado a narrativa flui na terceira pessoa, focada em vários pontos de vista, enquanto no presente a trama é tecida na primeira pessoa, ou seja, sob a ótica de Cat Velis. A leitura é de tirar o fôlego e o final é surpreendente e emocionante, além de nos preparar para uma nova sequência, já publicada no Brasil e intitulada O Fogo.

Katherine Neville já escreveu vários livros, todos vertidos para 40 idiomas e publicados em pelo menos 80 países. Ela já foi vice-presidente do Bank of America e trabalhou como consultora internacional de sistemas informáticos. Além disso, ela também pinta e é fotógrafa. Hoje a escritora reside na Virginia, nos Estados Unidos.

Editora Rocco, 2010

Autora: Katherine Neville

ISBN: 9788532524317

Origem: Nacional

Edição: 1

678 Páginas

Preço: R$ 49,50

Capa: Brochura

Formato: Médio

Volume: 1


Um comentário:

  1. Aninha, saudações !!!!

    Quero saber se a sequência desse livro neste post e nomeada como "O Fogo" (2003) é tão boa quanto o livro de 1988 ou se é o caso de ser um livro-continuação ruim de uma obra anterior brilhante) ...

    Tchau e continue assim ... 🧐😉😀😎

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